LIVRO 3
TEOLOGIA I
CAPÍTULO I
A IGREJA: ONDE ESTÁ ELA?
AS ESTATÍSTICAS DA IGREJA. (L. 3. pág. 13).
Nos Estados Unidos da América, sessenta mil homens (60.428) receberam salários para ensinar a
ciência de Deus e as Suas relações com as Suas criaturas.
Esses homens comprometem-se, por contrato, a transmitir-nos o conhecimento que trata da
existência, caráter e atributos de nosso Criador; Suas leis e Seu governo; as doutrinas em que devemos
acreditar e as obrigações que precisamos praticar. Cinco mil desses teólogos com o auxílio de 1.273
estudantes, ensinam esta ciência a cinco milhões de pessoas, de acordo com a fórmula prescrita pelo Bispo de
Roma. Cinqüenta e cinco mil (55.287) ministros e itinerantes, representando quinze diferentes denominações,
cada uma contradizendo todas as outras, no que a questão teológicas maiores ou menores, instruem, em suas
respectivas doutrinas, outras trinta e três milhões (33.500.000) de pessoas. Existem algumas centenas de
milhares de Judeus; alguns milhões de fieis orientais de todas as espécies; e uns poucos que pertencem à
Igreja grega.
O Deus dos unitaristas é um celibatário; a Divindade dos presbiterianos, metodistas, congrecionistas
e as outras seitas protestantes ortodoxas, é um Pai sem esposa com um Filho idêntico ao próprio Pai. No
esforço de se superarem umas às outras na ereção de suas sessenta e duas mil e tantas igrejas, casas de orações
e salas de reunião em que se ensinam essas conflitantes doutrinas teológicas, gastou-se a soma de 334.485.581
dólares. Somente o valor dos presbíteros protestantes, nos quais se abriram os pastores e as suas famílias, é
estimado em cerca de 54.114.297 dólares. Dezesseis milhões (16.179.387) de dólares são destinados todo ano
para cobrir as despesas correntes apenas das seitas protestantes. Uma igreja presbiteriana em Nova York custa
cerca de um milhão de dólares; um altar católico, um quarto de milhão!
Não mencionamos a multidão de seitas menores, de comunidades e de extravagantes pequenas
heresias originais desse país, que nascem num dia para morrer no outro, como os esporos de cogumelos, após
um dia chuvoso. Não nos deteremos, também, para considerar os pretensos milhões de espiritistas, pois à
maior parte deles falta a coragem de escapar-se de suas respectivas seitas religiosas. Eles são os Nicodemos
clandestinos.
Pois bem, perguntamos como Pilatos, "O que é a Verdade?" Onde devemos procurá-la, no meio
dessa multidão de seitas em guerra? Cada uma delas pretende basear-se na revelação divina, e cada uma
afirma possuir as chaves das portas do céu. Estará qualquer uma delas na posse rara da Verdade? Ou devemos
exclamar como o filósofo budista. "Há apenas uma verdade sobre a Terra, e ela é imutável; ei-la: - a Verdade
não está na Terra!"
Embora tenhamos a intenção de trilhar por um caminho que foi exaustivamente batido pelos sábios
eruditos que demonstraram que todo dogma cristão tem a sua origem num rito pagão, não obstante os fatos
que eles exumaram desde a emancipação da ciência, nada perderão se forem repetidos. Além disso, propomonos
a examinar esses fatos de um ponto de vista diferente e talvez original: o das antigas filosofias
esotericamente compreendidas. Referimo-nos, de passagem, a elas em nosso primeiro volume. Vamos utilizálas
como o modelo para a comparação dos dogmas cristãos e dos milagres, com as doutrinas e fenômenos da
magia antiga, e da moderna "Nova Revelação", como o Espiritismo é chamado por seus devotos. Como os
materialistas negam os fenômenos sem investigá-los, e como os teósofos, admitindo-os, oferecem-nos a pobre
escolha de dois manifestos absurdos - o Demônio e os milagres -, pouco perderemos recorrendo aos
teurgistas, e eles podem realmente ajudar-nos a lançar uma grande luz sobre um assunto muitíssimo obscuro.
CRENÇAS CRISTÃ, E PAGÃS COMPARADAS. (L.3.pág.16).
É portanto insensato os autores católicos despejarem a sua bílis em frases como estas: "Em inúmeros
pagodes, a pedra fálica assume com freqüência, como o baetylos grego, a forma brutalmente indecente do
linga (...) o Mahâ-Deva". Antes de macularem um símbolo, cujo sentido metafísico é por demais profundo
para os modernos campeões dessa religião do sensualismo par excellence, o Catolicismo romano, eles
deveriam destruir as suas igrejas mais antigas e modificar a forma da cúpula de seus próprios templos. O
Mahâ-Deva de Elefanta, a Torre Redonda de Bhagalpur, os minaretes do Islão - redondos ou pontudos - são
os modelos originais do Campanile de São Marcos, em Veneza, da Catedral de Rochester, e do moderno
Duomo de Milão. Todos esses campanários, torrinhas, zimbórios e templos cristãos reproduzem a idéia
primitiva do lithos, o falo ereto. "A torre ocidental da Catedral de São Paulo, em Londres", diz o autor de The
Rosicrucians, "é um dos dois litóides que sempre se encontram na frente de todos os templos, sejam cristãos
ou pagãos. Além disso, em todas as igrejas cristã, "particularmente nas igrejas protestantes, onde figuram de
modo mais conspícuo, as duas tábuas de pedra da Providência Mosaica são colocadas sobre o altar, disposta
em díptico, como uma única pedra, cuja parte superior é arredondada. (...) A da direita é masculina, a da
esquerda, feminina". Portanto, nem os católicos, nem os protestantes têm o direito de falar das "formas
indecentes" dos monumentos pagãos, visto que eles ornamentam as suas próprias igrejas com seus símbolos
do linga e do yoni, e até mesmo escrevem das leis de seu Deus sobre eles.
Outro detalhe que não hora de forma particular o clero cristão poderia ser traduzido pela Inquisição.
As torrentes de sangue humano derramados por essa instituição cristã e o número de seus sacrifícios humanos
não têm paralelo nos anais do Paganismo.
A Ísis egípcia era representada como uma Virgem Mãe por seus devotos, e segurando o seu filho,
Hórus, nos braços. Em algumas estátuas e baixos-relevos, quando aparece só, ela está completamente nua ou
velada da cabeça aos pés, Mas nos mistérios, em comum como quase todas as outras deusas, ela figura
inteiramente velada da cabeça aos pés, como símbolo da castidade materna. Nada perderíamos se
emprestássemos dos antigos um pouco do sentimento poético de suas religiões e da inata veneração que eles
tinham por seus símbolos.
Não é injusto dizer que o último dos verdadeiros cristãos morreu com o último dos apóstolos diretos.
Max Müller pergunta convincentemente: "Como pode um missionário em tais circunstância fazer à surpresa e
às perguntas de seus alunos, a não ser que se refira à semente e lhes diga o que o Cristianismo pretendeu ser?
A menos que lhes mostre que, como todas as outras religiões, o Cristianismo também tem a sua história; que o
Cristianismo do século XIX não é o Cristianismo da Idade Média, e que o Cristianismo da Idade Média não
era o dos primeiros Concílios; que o Cristianismo dos primeiros Concílios não era o dos apóstolos, e que só o
que foi dito por Jesus foi verdadeiramente bem dito?
Podemos assim inferir que a única diferença característica entre o Cristianismo moderno e as antigas
fés pagãs é a crença do primeiro num demônio pessoal e no inferno. "As nações arianas não tinham nenhum
demônio", diz Max Müller. "Platão, embora de caráter sombrio, era um personagem respeitabilíssimo; e Loki
(o escandinavo), embora uma pessoa maligna, não era um diabo. A deusa alemã Hel, como Proserpina,
também havia conhecido dias melhores. Assim, quando aos alemães se falava na idéia de um semítico Seth,
Satã ou Diabolus semita, não se lhes infundia temor algum".
Pode-se dizer o mesmo do inferno. O Hades era um lugar muito diferente de nossa região eterna, e
poderíamos qualificá-lo antes como um estágio intermediário de purificação. Também não o é o Amenti
egípcio, a região de julgamento e purificação; nem o Adhera - o abismo de trevas dos hindus, pois mesmo os
anjos caídos que nele foram precipitados por Shiva são autorizados por Parabrahman a considerá-lo como um
estágio intermediário, no qual uma oportunidade lhes é concedida para se prepararem para graus mais
elevados de purificação e redenção de seu miserável estado. O Gehenna do Novo Testamento era uma
localidade situada fora dos muros de Jerusalém; e, ao mencioná-lo, Jesus empregava apenas uma metáfora
comum. Donde então provêm o triste dogma do inferno, essa alavanca de Arquimedes da Teologia cristã, com
a qual se conseguiu subjugar milhões e milhões de cristãos por dezenove séculos? Seguramente não das
Escrituras judaicas, e aqui chamamos em testemunho qualquer erudito hebreu bem-informado.
A única menção, na Bíblia, a algo que se aproxima do inferno é o Gehenna ou Hinnom, um vale
próximo a Jerusalém, onde se situava Tophet, local em que se mantinha perpetuamente acesa uma fogueira
queimando os detritos para fins de higiene. O profeta Jeremias informa-nos que os israelitas costumavam
sacrificar suas crianças a Maloch-Hércules nessa região; e mais tarde descobrimos os cristãos substituindo
calmamente essa divindade por seu deus do perdão, cuja ira não pode ser aplacada, a não ser que a Igreja lhe
sacrifique suas crianças não batizadas e os seus filhos mortos em pecado no altar da "danação eterna"!
Como chegaram os padres a conhecer tão bem as condições do inferno, a ponto de dividir as suas
tormentas em duas categorias, a poena danni e a poena sensus, sendo a primeira a privação da visão beatífica;
a segunda, as penas eternas num lago de fogo e enxofre? Se eles responderem que foi através do Apocalipse
(XX, 10), "E o demônio que os seduzira foi arrojado no lago de fogo e enxofre, onde já se achavam a besta e
o falso profeta que serão atordoados para todo o sempre", estamos preparados para demonstrar de onde o
próprio teólogo João retirou a idéia. Deixando de lado a interpretação esotérica de que o "demônio" ou o
demônio tentador significa o nosso próprio corpo terrestre, que depois da morte certamente se dissolverá nos
elementos ígneos ou etéreos, a palavra "eterna" pela qual os nossos teólogos interpretam as palavras "para
todo o sempre" não existe na língua hebraica, nem como palavra, nem como sentido. Não há nenhuma palavra
hebraica que expresse exatamente a eternidade; olam, segundo Le Clerc, significa apenas um tempo cujo
começo e cujo fim não são conhecidos. Embora demonstre que essa palavra não significa duração infinita, e
que no Velho Testamento a expressão para sempre significa apenas um longo espaço de tempo, o Arcebispo
Tillotson deturpou-lhe completamente o sentido, no que toca à idéia das tormentas do inferno. De acordo com
a sua doutrina, quando se diz que Sodoma e Gomorra pereceram no "fogo eterno", devemos entender a
expressão apenas no sentido de que o fogo não se extinguiu até as duas cidades terem sido inteiramente
consumidas. Quanto ao fogo do inferno, deve-se entender as palavras no sentido estrito da duração infinita.
Tal é a sentença do sábio teólogo. Pois a duração da punição dos depravados deve ser proporcional à beatitude
eterna dos justos. Diz ele, "Esses [falando dos depravados] terão, punição eterna; mas os justos, vida eterna".
O SENTIDO ESOTÉRICO DO SOL. (L. 2. pás. 21).
O Rev. T. Swinden, comentando as especulações de seus predecessores, preenche todo um volume
com argumentos, segundo ele incontestáveis, visando mostrar que o Inferno se localiza no Sol. Há dois
versículos do Apocalipse de São João que dizem o seguinte: "E o quarto anjo derramou sua taça sobre o Sol, e
concedeu-lhe o poder de abrasar os homens pelo fogo. E os homens então abrasados por um calor intenso
puseram-se a blasfemar contra o nome de Deus". Isto é simplesmente uma alegoria pitagórica e cabalista. A
idéia não é nova nem para Pitágoras nem para São João. Pitágoras colocava a "esfera de purificação no Sol",
Sol esse que, com a sua esfera, ele localizava, ademais, no centro do universo, tendo a alegoria um duplo
sentido: 1º Simbolicamente, o Sol físico representa a Divindade Suprema, o sol espiritual central. Chegando a
essa região, todas as almas purificam-se de seus pecados, e unem-se para sempre com seu espírito, depois de
sofrerem anteriormente em todas as esferas inferiores. 2º Colocando a esfera do fogo visível no centro do
universo, Pitágoras simplesmente insinuou o sistema heliocêntrico, que fazia parte dos mistérios, e era
comunicado apenas no grau mais elevado de iniciação. São João dá a seu Verbo um significado puramente
cabalístico, que nenhum "padre", exceto aqueles que pertencem à escola neoplatônica, foi capaz de
compreender. Por ter sido um discípulo de Amônio Saccas, Orígenes e entendeu, sendo por essa razão que o
vemos negar corajosamente a perpetuidade das tormentas do inferno. Ele sustenta que não apenas os homens,
mas inclusive os demônios (e por esse termo entendia os pecadores humanos desencarnados), após um
período mais ou menos longo de punição, serão perdoados e finalmente reconduzidos aos céu. Em
conseqüência dessa e de outras heresias, Orígenes foi, naturalmente, exilado.
EXISTE UM UNIVERSO ESPIRITUAL E INVISÍVEL. (L. 3. pág. 23).
Como os católicos tomando como prova os fenômenos psicológicos para provar a existência de um
demônio pessoal, e o Conde de Gasparin, um antigo ministro de Louis Philippe, coletando inúmeros outros
fatos para provar o contrário, os espíritas da França contraíram uma dívida de gratidão para com os seus
adversários. A existência de um universo espiritual invisível povoado de seres invisíveis foi, então,
inquestionavelmente demonstrada. Esquadrinhando as bibliotecas mais antigas, eles destilaram de seus relatos
histórias a quintessência das provas. Todas as épocas desde os tempos de Homero até os dias atuais,
forneceram os seus materiais mais preciosos e esses infatigáveis autores. Tentando provar a autenticidade dos
prodígios produzidos por Satã nos dias que precedem a era cristã, assim como por toda a Idade Média, eles
simplesmente estabeleceram as bases para o estudo do fenômeno em nossos tempos modernos.
Entusiasta ardente e inflexível, des Mousseaux transforma-se contudo, inconscientemente, no
demônio tentador, ou - como ele costuma qualificar o Diabo - na "serpente da Gênese". Em seu desejo de
apontar a presença do Maligno em todas as manifestações, ele apenas consegue demonstrar que o Espiritismo
e a Magia não são coisas movas no mundo, mas irmãs gêmeas muito antigas, cuja origem deve ser buscada na
remota infância de antigas nações como Índia, Caldéia, Babilônia, Egito, Pérsia e Grécia.
É evidente que des Mousseaux e de Mirville devem ter-se utilizado livremente das fontes literárias
do Vaticano e de outros repositórios de conhecimentos católicos. Quando se tem tais tesouros em mãos -
manuscritos originais, papiros, e livros pilhados das mais ricas bibliotecas pagãs; antigos tratados sobre Maria
e Alquimia; e registros de todos os processos sobre feitiçaria, e das sentenças decorrentes, tais como cavalete,
fogueira e tortura, pode-se facilmente escrever volumes de acusações contra o Demônio. Temos boas razões
para afirmar que há centenas de obras valiosíssimas sobre as ciências ocultas que foram condenadas a
remanescer para sempre interditadas ao público, porém que são lidas e estudadas com atenção pelos
privilegiados que têm acesso à Biblioteca do Vaticano. As leis da Natureza são as mesmas tanto para o
feiticeiro pagão, quanto para o santo católico; e um "milagre" pode ser produzidos tanto por um, como por
outro, sem a menor intervenção de Deus ou do Demônio.
Mas os fenômenos psíquicos tinham começado a atrair a atenção da Europa, e o clero iniciou a grita
de que o seu tradicional inimigo reaparecera sob outro nome, e os "milagres divinos" começaram também a
surgir em lugares isolados.
Na Rússia, o clero sabe mais do que ninguém como impressionar os seus paroquianos, cuja piedade é
sincera e a fé, poderosa sem milagres; e sabe que nada é melhor do que os milagres para semear a suspeita, a
dúvida e finalmente o ceticismo que conduz diretamente ao ateísmo. Além disso, o clima é o menos propício,
e o magnetismo da população média positivo e são demais para produzir fenômenos independentes; e a fraude
não a solução. Por outro lado, nem na Alemanha protestante, nem mesmo na América, desde a época da
Reforma, teve o clero acesso a qualquer uma das bibliotecas secretas do Vaticano. Em conseqüência, nada
sabem sobre a magia de Alberto Magno.
Quanto ao fato de a América ter sido inundada de sensitivos e de médiuns, a razão para isso deve-se
em parte à influência climática e especialmente ao estado psicológico da população. Desde a época da
feitiçaria de Salem, há 200 anos, quando os comparativamente poucos colonos tinham um sangue puro e não
adulterado em suas veias, apenas se ouviu falar a respeito de "espíritos" não de "médiuns" até 1840. Os
fenômenos apareceram pela primeira vez entre os membros da "Igreja do Milênio", cujas aspirações
religiosas, cujo modo peculiar de vida e cuja pureza moral e castidade física conduzem à produção de
fenômenos independentes de natureza tanto psicológica como física. A partir de 1492, milhares e mesmo
milhões de homens de vários climas e de diferentes hábitos e costumes invadiram a América do Norte e,
casando-se entre si, modificaram substancialmente o tipo físico dos habitantes. Em que país do mundo a
constituição física das mulheres pode ser comparada com a constituição delicada, nervosa e sensível da parte
feminina da população dos Estados Unidos? Em nossa chegada a esse país, surpreendemo-nos com a
delicadeza semitransparente da pele dos nativos de ambos os sexos. Comparai um operário ou operária
irlandesa que trabalhe duramente com um representante de uma genuína família americana. Um trabalha tão
duro quanto o outro; ambos têm a mesma idade, e ambos são igualmente saudáveis; entretanto, ao passo que
as mãos de um, após uma hora de ensaboamento, exibirão uma pele um pouco mais macia do que a de um
jovem crocodilo, as do outro, não obstante o seu uso constante, permitir-vos-ão observar a circulação do
sangue sob a fina e delicada epiderme. Não deve surpreender, portanto, que enquanto a América é a estufa dos
sensitivos, a maioria de seu clero, incapaz de produzir milagres divinos ou de qualquer outra espécie, nega
intransigentemente a possibilidade de qualquer fenômeno, exceto aqueles produzidos por truques e
prestidigitação. É natural também que o clero católico, que conhece praticamente a existência dos fenômenos
mágicos e espirituais, e que acredita neles, embora temendo as suas conseqüências, tente atribuir todos eles à
influência do Demônio.
A MAGIA PRATICADA PELO CLERO CRISTÃO. TEOGONIA COMPARADA, UMA
NOVA CIÊNCIA. (L. 3. Pág. 29).
Onde podemos encontrar, nos anais da Magia européia, encantamentos mais hábeis do que na
misteriosa solidão dos claustros? Alberto Magno, o famoso bispo e feiticeiro de Ratisbona, jamais foi
superado em sua arte. Roges Bacon era um monge, e Tomás de Aquino um dos mais eminentes discípulos de
Alberto. Trithemius, abade dos beneditinos de Spanheim, foi o mestre, amigo e confidente de Cornélio
Agripa; e enquanto as confederações de teósofos se disseminaram amplamente pela Alemanha, onde
nasceram, ajudando-se mutuamente, e lutando durante anos pela aquisição de conhecimento esotérico, todo
aquele que conseguisse tornar-se o discípulo favorito de certos monges poderia ser rapidamente iniciado em
todos os ramos importantes da sabedoria oculta.
Tudo isso faz parte da história e não pode ser negado. A Magia, em todos os seus aspectos, foi
amplamente e quase abertamente praticada pelo clero até a Reforma. E mesmo aquele que foi outrora
chamado de "Pai da Reforma", o famoso John Reuchin, autor de Mundo maravilhoso e amigo de Pico della
Mirandola, o mestre e instrutor de Erasmo, de Lutero e de Melanchton, era cabalista e ocultista.
Em seu insaciável desejo de estender o domínio da fé cega, os primitivos arquétipos da Teologia
cristã foram forçados a ocultar, na medida do possível, as suas verdadeiras fontes. Para esse efeito, eles
queimaram ou destruíram, como se afirma, todos os manuscritos originais sobre Cabala, Magia e ciências
ocultas que lhes caíram nas mãos. Eles supunham, em sua ignorância, que os escritos mais perigosos dessa
espécie tinham desaparecido com o último gnóstico; mas um dia eles descobrirão o seu engano. Outros
documentos autênticos e igualmente importantes reaparecerão, talvez, "de maneira inesperada e quase
miraculosa".
Existem estranhas tradições correntes em várias partes do Oriente - no Monte Athos e no Deserto de
Nítria, por exemplo - entre certos monges, e entre doutos rabinos da Palestina, que passam suas vidas
comentando o Talmude. Eles dizem que nem todos os rolos e manuscritos, que segundo a história teriam sido
queimados por César, pela turba cristã em 389, e pelo general árabe Omar, desapareceram como se acredita
comumente; e a história que eles contam é a seguinte: "Ao tempo da disputa pelo trono em 51 a.C. entre
Cleópatra e o seu irmão Dionísio Ptolomeu, o Bruckion, que continha mais de setecentos mil rolos, todos
guarnecidos de madeira e de pergaminhos à prova de fogo, estava em reparos, e uma grande porção dos
manuscritos originais, que eram considerados os mais preciosos, e que não tinham duplicatas, foram
guardados na casa de um dos bibliotecários. Como o fogo que consumiu o resto foi apenas resultado de um
acidente, não se tomou nenhuma precaução nesse momento. Mas, acrescentam eles, várias horas se passaram
entre o incêndio da frota, por ordem de César, e o instante em que os primeiros edifícios situados nas
proximidades do posto queimaram por sua vez, e em que todos os bibliotecários, auxiliados por várias
centenas de escravos afetos ao museu, conseguiram salvar os rolos mais preciosos. Tão perfeita e sólida era a
fabricação do pergaminho, que enquanto, em alguns rolos, as páginas internas e a guarnição de madeira foram
reduzidas a cinzas, em outros, a guarnição de pergaminho permaneceu intata. Esses detalhes foram todos
escritos em grego, latim e em dialeto caldaico-siríaco, por um jovem douto de nome Theodas, um dos escribas
empregados no museu.
A Enciclopédia Britânica, em seu artigo sobre Alexandria, diz: "Quando o templo de Serapis foi
demolido (...) a valiosa biblioteca foi pilhada e destruída; e vinte anos depois as prateleiras vazias suscitaram
o arrependimento (...) etc.". Mas não relata a sorte a sorte posterior dos livros pilhados.
Rivalizando com os ferozes adoradores de Maria do quarto século, os modernos perseguidores
clericais do liberalismo e da "heresia" encerrariam voluntariamente todos os heréticos e seus livros em algum
moderno Serapião e os queimariam vivos. A causa desse ódio é natural. A pesquisa moderna nunca desvelou
tanto, como agora, o segredo. "Não é hoje a adoração dos santos e anjos" - disse o Bispo Newton, anos atrás -
"em todos os respeitos, idêntica à adoração dos demônios dos primeiros tempos? Só o nome é diferente, a
coisa é exatamente a mesma (...) exatamente os mesmos tempos, as mesmas imagens, que eram outrora
consagrados a Júpiter e outros demônios, são agora consagrados à Virgem Maria e a outros santos (...) todo o
Paganismo converteu-se e aplicou-se ao Papismo."
Por que não ser franco e acrescentar que "uma boa porção dele foi adotada também pelas religiões
protestantes?"
A própria designação apostólica de Pedro origina-se dos mistérios. O Hierofante ou pontífice
supremo portava o título caldeu pether, ou intérprete. Os nomes Phtah, Peth'r, a residência de Balsam, Patara,
e Patras, os nomes das cidades oraculares, pateres ou pateras e, talvez, Buddha, tudo provêm da mesma raiz.
Jesus diz: "Sobre esta petra edificarei minha Igreja, e as portas do Hades não prevalecerão contra ela",
entendendo por petra o templo sobre a rocha, e por metáfora, os mistérios cristãos, cujos adversários eram os
antigos deuses dois mistérios do mundo subterrâneo, adorados nos ritos de Ísis, Adónis, Átis, Sabásio,
Dionísio e Elêusis. Nenhum apóstolo Pedro jamais esteve em Roma; mas o Papa, tomando o cetro de Pontifex
Maximus, as chaves de Jano e Cibele, e adornando a sua cabeça cristã como o capelo da Magna Mater,
copiado da tiara de Brahmâtma, o Supremo Pontífice dos iniciados da Índia antiga, tornou-se o verdadeiro
Peter-Roma, ou Petroma. (A tiara do Papa é igualmente uma perfeita cópia da do Dalai-Lama do Tibete.).
A Igreja Católica Romana tem dois inimigos bem mais poderosos do que os "heréticos" e os
"infiéis"; e esses são - a Mitologia Comparada e a Filologia.
A prova conclusiva é fornecida por muitos eruditos, e não cabe dúvida de que a Índia foi a alma
mater, não apenas da civilização, das artes e das ciências, mas também de todas as grandes religiões da
antigüidade, do Judaísmo e, por conseqüência, do Cristianismo, inclusive. Herder localiza o berço da
humanidade na Índia, e mostra Moisés como um hábil e relativamente moderno compilador das antigas
tradições bramânicas: "O rio que circunda o país (a Índia) é o sagrado Ganges, que toda a Ásia considera
como o rio paradisíaco. Lá está também o bíblico Bihon, que não é outro senão o Indo. Os árabes o chamam
assim até hoje, e os nomes dos países banhados por ele ainda entre os hindus". Jacolliot afirma ter traduzido
todos os antigos manuscritos de folhas de palmeira que teve a sorte de ver permissão dos brâmanes dos
pagodes. Numa dessas traduções, encontramos passagens que nos revelam a indiscutível origem das chaves
de São Pedro, e o motivo da subseqüente adoção do símbolo por Suas Santidades, os Papas de Roma.
Ele nos mostra, baseado no testemunho do Agrushada Parikshai, que traduz livremente como "o
Livro dos Espíritos" (Pitris), que, séculos antes de nossa era, os Iniciados do templo escolhiam um Conselho
Superior, presidido pelo Brahmâtma, ou chefe supremo de todos esses Iniciados; que esse pontificado só
podia ser exercido por um brâmane que alcançasse a idade de oitenta anos; que o Brahmâtma era o único
guardião da fórmula mística, resumo de toda ciência, contida nas três misteriosas letras:
A
U M
que significam criação, conservação e transformação. Só ele podia expor-lhe o significado na presença dos
iniciados do terceiro e superior grau. Dentre os iniciados, todo aquele que revelasse aos profanos uma única
verdade, ou mesmo o menor dos segredos confiados a seu cuidado, era condenado à morte. Aquele que
recebia a confidência partilhava do mesmo destino.
"Finalmente, para coroar esse hábil sistema", diz Jacolliot, "existia uma palavra ainda superior ao
misterioso monossílabo A U M, que tornava aquele que lhe possuía a chave igual ao próprio Brahmâ. Só o
Brahmâtma possuía esta chave, e a transmitia ao seu sucessor numa caixa fechada.
"Essa palavra desconhecida, que nenhuma força humana pôde, mesmo hoje - quando a autoridade
bramânica foi esmagada sob as invasões mongólicas e européias; quando todo pagode tem seu Brahmâtma -,
força-lhe a revelação, era gravada num triângulo de ouro e preservada num santuário do templo de Asgartha,
cujas chaves apenas o Brahmâtma possuía. Ele também portava sobre a sua tiara duas chaves cruzadas,
seguras por dois brâmanes ajoelhados, símbolos de preciso depósito que tinha em guarda (...) Essa palavra e
esse triângulo estavam gravados sobre a placa do anel que esse chefe religioso utilizava como um dos signos
de sua dignidade; ambos eram também reproduzidos num sol dourado sob o altar, onde toda manhã o Sumo
Pontífice oferecia o sacrifício do sarvamedha, ou sacrifício a todas as forças da natureza".
Não é isso bastante claro? E afirmarão ainda os católicos que foram os brâmanes de há 4.000 anos
que copiaram o ritual, os símbolos e as vestes dos Pontífices romanos? Não ficaríamos nem um pouco
surpresos.
Orígenes, Clemente de Alexandria, Calcídio, Metódio e Maimônides, com base na autoridade do
Targum de Jerusalém, a maior autoridade ortodoxa dos judeus, afirmavam que as duas primeiras palavras no
Gênese - BE-RÊSHÎTH, significam Sabedoria, ou Princípio, e que a idéia de que tais palavras significam "no
princípio" jamais foi partilhada fora dos meios profanos, que não tinham permissão para penetrar mais
profundamente no sentido esotérico da sentença. Beausobre, e depois dele Godfrey Higgins, demonstraram o
fato. "Todas as coisas", diz a Cabala, "derivam, por emanação, de um princípio; e esse princípio é o Deus
[desconhecido e invisível]. DEle emana imediatamente um poder substancial, que é a imagem de Deus, e a
fonte de todas as subseqüentes emanações. Esse segundo princípio produz, pela energia [ou vontade e força]
da emanação, outras naturezas, que são mais ou menos perfeitas, de acordo com seus diferentes graus de
distância, na escala da emanação, da Fonte Primeira de existência, e que constitui diferentes mundos, ou
ordens de ser, todos unidos ao poder eterno de que emanam. A matéria não é senão o efeito mais remoto da
energia emanativa da Divindade. O mundo material recebe sua forma da ação imediata dos poderes bem
abaixo da Fonte Primeira do Ser (...) Beausobre afirma ter Santo Agostinho, o maniqueu, dito o seguinte: `E
se por Rêshîth entendemos o Princípio ativo da criação, e não o seu início, nesse caso percebemos claramente
que Moisés jamais pretendeu dizer que o céu e a Terra foram as primeiras obras de Deus. Ele apenas disse que
Deus criou o céu e a Terra por meio do Princípio, que é Seu Filho. Não é ao tempo que ele se refere, mas ao
autor imediato da criação'". Os anjos, segundo Agostinho, foram criados antes do firmamento, e, de acordo
com a interpretação esotérica, o céu e a Terra foram criados depois deles, emanados do segundo Princípio, ou
o Logos - a Divindade criadora. "A palavra princípio", diz Beausobre, "não significa que o céu e a Terra
foram criados antes de qualquer outra coisa, pois, para começar, os anjos foram criados antes disso; porém
que Deus fez tudo através de Sua Sabedoria, que é Seu Verbum, e que a Bíblia cristã chamou de Princípio",
adotando assim o sentido exotérico da palavra conferido às multidões. A Cabala - tanto oriental, quanto a
judia - mostra que inúmeras emanações (as Sephiroth judias) originaram-se do Primeiro Princípio, o principal
dos quais era a Sabedoria. Essa Sabedoria é o Logos de Fílon e Miguel, o chefe dos Aeôns (ou EONS, Espíritos
Estrelares) gnósticos é o Ormasde dos persas; Minerva, deusa da sabedoria, dos gregos, que emanou da cabeça
de Júpiter e a Segunda Pessoa da Trindade cristã. Os primeiro padres da Igreja não tiveram de quebrar a
cabeça em demasia; eles encontraram uma doutrina adrede preparada que existia em todas as teogonias
milhares de anos antes da era cristã. Sua Trindade não é senão o trio das Sephiroth, as primeiras três luzes
cabalistas que, segundo Moisés Nachmanides, "Jamais foram vistas por alguém, não havendo nenhum defeito
nelas, nem qualquer desunião". O primeiro número eterno é o Pai, ou o caos primitivo, invisível e
incompreensível dos caldeus, do qual emana o Inteligível. O Phtah egípcio, ou "o Princípio de Luz - não a luz
em si, e o Princípio de Vida, embora não tenha em si nenhuma vida". A Sabedoria pela qual o Pai criou o céus
é o Filho, ou o andrógino cabalista Adão-Cadmo. O Filho é o mesmo tempo o Râ Masculino, ou Luz da
Sabedoria, Prudência ou Inteligência, Sephirah, a Sua parte feminina, e desse ser dual procede a terceira
emanação, Binah ou Razão, a segunda Inteligência - o Espírito Santo dos cristãos. Por conseguinte, trata-se
estritamente falando, de uma TETRAKTYS ou quaternidade, consistindo da Primeira Mônada Ininteligível, e
de sua tríplice emanação, que constitui propriamente a nossa Trindade.
Como então não constatar de imediato que, se os cristãos não tivessem propositadamente
desfigurado em sua interpretação e tradução o texto do Gênese mosaico, para adaptá-lo às suas próprias
concepções, teria sido impossível sua religião com seus dogmas atuais. Uma vez compreendida a palavra
Rêshîth em seu novo sentido de Princípio e não de Início, e aceita a doutrina anatematizada das emanações, a
posição da Segunda Pessoa da Trindade torna-se insustentável. Pois, se os anjos são as primeiras emanações
divinas oriundas da Substância Divina, que existiam antes do Segundo Princípio, então o Filho
antropomórfico é, na melhor das hipóteses, uma emanação como aqueles, e pode tanto ser o Deus
hipostaticamente quanto nossas obras visíveis são nós mesmo. Que essas sutilezas metafísicas jamais
entraram na cabeça do honesto e sincero Paulo (apóstolo) é evidente; e tanto mais o é porque, como todos os
judeus eruditos, ele estava bem familiarizado com a doutrina das emanações e jamais pensou em deturpá-la.
Como pode alguém imaginar que Paulo identificava o Filho com o Pai, quando ele nos diz que Deus criou
Jesus "um pouco menor do que os anjos" (Hebreus, II, 9), e um pouco maior do que Moisés! "Pois esse
HOMEM foi considerado de maior glória do que Moisés" (Hebreus, III, 3). Ignoramos quais ou quantas
falsidades foram interpoladas posteriormente nos Atos pelos padres da Igreja; mas é evidente que Paulo
sempre considerou a Cristo como um homem "cheio de Espírito de Deus", eis um ponto que não admite
discussão: "No archê era o Logos, e o Logos estava com Theos" (João, I,1.).
A Sabedoria, a primeira emanação de Ain-Soph; o Protogonos, a Hypostasis; o Adão-Cadmo dos
cabalistas, o Brahmâ dos hindus; o Logos de Platão,