Richard leakey A Origem da Especie Humana.
Richard leakey A Origem da Especie Humana.
A ORIGEM DA ESPÉCIE HUMANA
Richard Leakey
Tradução de
ALEXANDRE TORT
Rio de Janeiro — 1997
Título original THE ORIGIN OF HUMANKIND
Copyright© 1994 by Richard Leakey e Orion Publishing Group Ltd.
“O nome e a marca The Science Masters foram publicados com a
autorização de seu proprietário John Brockman Associates, Inc.”
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Revisão técnica
RUI CERQUEIRA
(Instituto de Biologia da UFRJ)
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos
Editores de Livros, RJ.
Leakey, Richard E.
A origem da espécie humana / Richard Leakey;
tradução de Alexandre Tort; coordenação editorial: Leny
Cordeiro — Rio de Janeiro: Rocco, 1995.
(Ciência Atual)
Tradução de: The origin of humankind
1. Evolução humana. 2. Homem - Origem. 3. Pré-história
I. Título, n. Série
CDD — 575.01 95-0095 CDU —576.1
Sumário
Prefácio.................................................................................... 9
1 - Os primeiros humanos.......................................................16
2 - Uma família numerosa.......................................................33
3 - Um tipo diferente de humano ............................................51
4 - Homem, o nobre caçador? ................................................66
5 - A origem dos humanos modernos.....................................83
6 - A linguagem da arte.........................................................101
7 - A arte da linguagem.........................................................117
8 - A origem da mente ..........................................................134
Bibliografia e leituras adicionais............................................151
Prefácio
É o sonho de todo antropólogo desenterrar um esqueleto
completo de um ancestral humano primitivo. Para a maioria de
nós, contudo, este sonho permanece irrealizado; os caprichos
da morte, o enterro e a fossilização conspiram para deixar um
registro insuficiente, fragmentado da pré-história humana
Dentes e ossos isolados, fragmentos de crânios, geralmente
são estas as pistas a partir das quais a história da pré-história
humana deve ser reconstruída Não nego a importância destas
pistas, embora sejam frustrantemente incompletas; sem elas
haveria pouco a ser dito sobre a história da pré-história humana
Também não descarto a excitação pura de sentir a presença
física destas relíquias modestas; elas são parte de nossa
ascendência, ligadas a nós por gerações incontáveis feitas de
carne e osso. Mas a descoberta de um esqueleto completo
permanece como o prêmio maior.
Em 1969, fui agraciado com uma sorte extraordinária. Tinha
decidido explorar os depósitos de arenito que formam a vasta
margem leste do lago Turkana, ao norte do Quênia — minha
primeira incursão independente na região dos fósseis. Eu
estava motivado por uma forte convicção de que grandes
descobertas de fósseis seriam feitas lá, porque havia
sobrevoado a região um ano antes; percebi que os depósitos
em camadas eram repositórios em potencial da vida primitiva
— embora muitos duvidassem de meu julgamento. O terreno
era áspero e o clima implacavelmente quente e seco; mais
ainda, o cenário tem o tipo de beleza feroz que me atrai.
Com o apoio da National Geographie Society, reuni uma pequena
equipe — incluindo Meave Epps, que mais tarde tornouse
minha esposa — para explorar a região. Uma manhã, vários
dias após a nossa chegada, Meave e eu estávamos retornando
ao nosso acampamento de uma excursão curta de exploração
por um atalho ao longo de um leito de rio seco, ambos
sedentos e ansiosos em evitar o calor escorchante do meio-dia.
De repente, vi diretamente à nossa frente um crânio fossilizado,
intacto, pousado sobre a areia alaranjada, as órbitas dos olhos
fitando-nos inexpres-
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sivamente. Era inconfundivelmente humano na forma. Embora
os anos decorridos tenham apagado de minha memória o que
falei exatamente para Meave naquele instante, sei que
expressei uma mistura de alegria e descrença sobre o que
havíamos encontrado.
O crânio, que imediatamente reconheci como o de um
Australopithecus boisei, uma espécie humana há muito extinta,
emergira recentemente dos sedimentos pelos quais o rio
sazonal corria. Exposto à luz do Sol pela primeira vez desde
que os elementos o haviam enterrado há quase 1,75 milhão de
anos, o espécime era um dos poucos crânios humanos antigos
intactos que até então fora encontrado. Semanas após a sua
descoberta, as fortes chuvas encheriam o leito seco com uma
corrente caudalosa; se Meave e eu não o tivéssemos
encontrado, a frágil relíquia certamente teria sido destruída
pela enchente. As chances de nos encontrarmos ali no
momento certo de recuperar para a ciência o fóssil há muito
enterrado eram mínimas.
Por uma coincidência curiosa, minha descoberta ocorreu uma
década, quase no dia, após minha mãe, Mary Leakey, ter
encontrado um crânio similar na garganta Olduvai, na
Tanzânia. (Este crânio, entretanto, tornou-se um pavoroso
quebra-cabeça paleolítico; teve que ser reconstruído a partir de
centenas de fragmentos.) Aparentemente eu herdara a
legendária “sorte dos Leakey”, desfrutada de modo notável por
Mary e meu pai, Louis. De fato, minha boa sorte continuou, na
medida em que as expedições seguintes que conduzi ao lago
Turkana descobriram muitos fósseis humanos mais, inclusive o
crânio intacto do gênero Homo mais antigo de que se tem
notícia, o ramo da família humana que finalmente deu origem
aos humanos modernos, o ramo Homo sapiens.
Embora quando jovem eu tivesse jurado não me envolver com
a caça aos fósseis — desejando evitar viver à sombra de meus
mundialmente famosos pais —, a magia pura do empreendimento
atraiu-me para ele. Os antigos e áridos depósitos da
África Oriental que sepultam os restos de nossos ancestrais
têm uma inegável beleza especial; ainda assim, são também
implacáveis e perigosos. A procura de fósseis e de artefatos de
pedra antigos é muitas vezes apresentada como uma
experiência romântica, e certamente possui seus aspectos
românticos, mas é uma ciência na qual os dados devem ser
recuperados a centenas ou milhares de quilômetros do conforto
do laboratório. É um empreendimento fisicamente desafiador e
exigente — uma operação logística da qual a segurança das
vidas das pessoas depende algumas vezes. Descobri que tinha
talento para organizar, para fazer com que as
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coisas fossem feitas em face de circunstâncias pessoais e
físicas difíceis. As muitas descobertas importantes na margem
leste do lago Turkana não apenas atraíram-me para uma
profissão que um dia rejeitei com veemência como também
estabeleceram minha reputação nela. Não obstante, o sonho
maior — um esqueleto completo — continuou a escapar-me.
No final do verão de 1984, com nossas respirações suspensas
e nossa esperança sempre crescente temperada pela dura realidade
da experiência, meus colegas e eu vimos este sonho
começar a tomar forma. Naquele ano tínhamos decidido
explorar pela primeira vez a margem oeste do lago. Em 23 de
agosto, Kamoya Kimeu, meu amigo mais velho e colega,
localizou um pequeno fragmento de um crânio antigo que jazia
entre os seixos de uma encosta perto de uma ravina estreita
que havia sido esculpida pela corrente sazonal.
Cuidadosamente começamos uma busca por mais fragmentos
e em breve encontramos mais do que ousávamos esperar.
Durante as cinco temporadas que se seguiram a este achado,
significando mais de sete meses de trabalho de campo, nossa
equipe removeu mais de 1.500 toneladas de sedimentos na
busca intensa. Encontramos o que finalmente revelou ser
virtualmente o esqueleto completo de um indivíduo que morrera
na margem deste lago antigo há mais de 1,5 milhão de anos.
Batizado por nós como o garoto de Turkana, mal completara
nove anos quando morreu; a causa de sua morte permanece
um mistério.
Foi uma experiência verdadeiramente extraordinária desenterrar
osso após osso fossilizado: braços, pernas, vertebras,
costelas, pélvis, maxilar, dentes e mais fragmentos de crânio. O
esqueleto do menino começou a ganhar forma, reconstruído
como indivíduo uma vez mais, depois de jazer em fragmentos
por mais de 1,6 milhão de anos. Nada tão completo como este
esqueleto pôde ser encontrado nos registros de fósseis
humanos até a época do Neanderthal, há uns meros 100 mil
anos. Independentemente da excitação emocional de tal
descoberta, estávamos cientes de que ela prometia um grande
entendimento de uma fase crítica da pré-história humana.
Uma palavra, antes de prosseguir com a história, sobre o jargão
na antropologia. Algumas vezes a torrente de termos
arcanos pode ser tão intensa que desafia a compreensão de
todos, exceto a dos profissionais mais dedicados. Evitarei este
jargão tanto quanto possível. Cada uma das várias espécies de
famílias humanas pré-históricas tem um rótulo científico — isto
é, o nome de sua espécie — e não podemos evitar a utilização
destes. A família humana de espécies tem seu próprio rótulo
também: hominídea.
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Alguns de meus colegas preferem utilizar o termo “hominídeo”
para todas as espécies humanas ancestrais. A palavra
“humano”, argumentam eles, deveria ser utilizada para nos
referirmos apenas a pessoas como nós. Em outras palavras, os
únicos hominídeos que podem ser designados como
“humanos” são aqueles que exibem nosso próprio grau de
inteligência, senso moral, e profundidade de consciência
introspectiva.
Tenho um ponto de vista diferente. Parece-me que a evolução
da locomoção ereta, que distinguiu os hominídeos antigos de
outros macacos de seu tempo, foi fundamental para a história
humana subseqüente. Uma vez que nosso ancestral dis