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Otto Muck O fim da Atlântida.

Otto Muck O fim da Atlântida.

 

 

Otto Muck

 

O FIM DA ATLÂNTIDA

 

 

CÍRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 São Paulo, Brasil

Edição integral

 

Título do original: "Alles Über Atlantis"

 

© 1976 by Econ Verlag GhbH, Dusseldorf — Viena

 

Tradução: Trude von Laschan Solstein Arneitz

 

 

ÍNDICE

 

Prefácio .............................................. 7

Introdução ........................................... 17

Platão Narra a Atlântida.......................... 22

Lenda ou Realidade ................................ 33

Vida Além do Oceano ............................. 40

Existência Antes da Criação?.................. 43

A Pesquisa da Atlântida, em Época Recente... 44

Geologia Mítica? ............................................. 49

Uma Civilização, Florescente há mais de doze Milênios?  ......... 52

Uma Luz Despontando a Oeste? .................. 57

Realidade, Sim — Lenda, Não! ..................... 61

A Corrente do Golfo e as Isotermas ............... 65

A Corrente do Golfo e o Período Quaternário .. 71

Eco do Oceano Atlântico .............................. 80

O Enigma das Enguias.................................. 88

Atlas — Atlântida ........................... 94

O País e o Clima.............................. 101

O Povo Atlântida ........................ 109

Atlântida, Grande Potência ..................... 114

A Catástrofe da Atlântida e sua Evidência Geológica ......... 121

O Foco da Catástrofe ...................... 150

O Meteoro da Carolina.............................156

A Queda do Planetóide......................... 163

O Tremendo Rufar de Tambor .............. 169

A Carga Explosiva do Cosmo.................. 174

"No Decorrer de um Único dia Malfadado e uma Única Noite Malfadada" ...... 178

Os Efeitos Posteriores da Catástrofe de Atlântida. Os Produtos de Projeção Vulcânica ........ 183

O Mar de Lodo ................. 187

As Chuvas do Dilúvio .......... 190

A Grande Mortandade dos Mamutes......... 200

O Limo Argilo-Arenoso e o Dióxido de Carbono ..... 212

Dois Milênios de Escuridão ..... 216

O Dia Zero — O Calendário Maia ............. 226

Resumo  239

Posfácio da Editora — O "Profeta Adormecido" Epílogo .................. 243

Complementar.............. 245

Bibliografia sobre a Atlântida .................        249

Fontes das Ilustrações das Pranchas .........  251

Quadros Cronológicos e Genealógicos.......   252

 

PREFÁCIO

 

Atlântida — O Enigma

 

Sonhos Achados • Perguntas Experiências Conjeturas

 

Foi assim que vi aquela cena: várias ânforas incrustadas, uma ao lado da outra, encostadas contra a parede do barco. Ainda estavam molhadas; mal haviam sido retiradas do mar. Duas das ânforas pareciam intatas — após alguns milênios! — ainda estavam fechadas, seladas. Pensei que contivessem óleo de oliva ou vinho, o qual há muito já deveria estar estragado. O mergulhador, em sua roupa preta, de borracha, ergueu o corpo e mostrou algo ainda mais precioso: a cabeça de um jovem grego, em bronze, coberto por patina verde. As órbitas dos olhos não estavam vazias; o branco do olho era de madrepérola, incrustada; a íris, marrom, recortada de uma concha; e o preto brilhante, da pupila, era de obsidiana, vidro vulcânico. Ao lado da cabeça encontrava-se uma peça mecânica, amassada e de qualquer jeito ainda inteiriça, igualmente coberta por patina verde; uma engrenagem parecida com a de um grande relógio. Bem me lembro da sensação que experimentei ao contemplar aqueles objetos; senti admiração pela cabeça preciosa e alegria ao identificar a peça mecânica, funcional. Todavia, experimentei também um pouco de irritação, pois evidentemente cheguei tarde, perdi o momento exato da retirada desses objetos do fundo oceânico. Aliás, devo ter externado esse meu pesar, pois aí então o mergulhador virou-se para mim. Com um gesto significativo, ele abriu a mão e mostrou-me uma pequena barra de ouro, sem proferir palavra, mas de maneira a fazer-me perceber que, para ele, todo o resto era de pouca importância, sem valor comparável. Ao invés do carimbo, especificando o peso e o quilate da barra de ouro, nela discerni símbolos esquisitos que me pareceram conhecidos. De uma forma ou de outra, aquela pequena barra de ouro fez-me lembrar uma cerimônia de lançamento de pedra fundamental, quando costumam ser enterrados algumas moedas e um jornal do dia. Que acaso tremendo, fora de série! Deste jeito, — assim pensei — logo de chofre, conseguiu-se penetrar no próprio centro da cidade real de Basiléia, no tesouro, guardado no Templo de Posêidon. Tentei fixar a hora e data do acontecimento e, com o movimento que fiz para olha^ o meu relógio, devo ter acordado. Eram pouco mais de 5h; eu estava para levantar-me às 5 e meia. Na véspera, dia 17 de abril de 1972, os colegas e eu desembarcamos do navio, na Ilha de Terá; despachamos a nossa bagagem e os nossos equipamentos para Fira, onde ocupamos nossos quartos, previamente reservados, no hotel "Atlantis". Da janela avistamos a Caldera, a baía de águas azuis, outrora a cratera principal do Santorim, sobre cujo centro o vulcão projetou um novo cone, a Ilha Nea Kameni. Ano após ano, lá transbordava o magma fluido ígneo e, a título de reminiscência de tempos remotíssimos, o vulcão fazia a terra estremecer, evocando aquela erupção pavorosa que, segundo uma teoria muito debatida, teria causado o desaparecimento de Atlântida.

Quanto ao sonho do qual acordei, os seus detalhes não eram inspirações "extra-sensoriais", mas sim a lembrança viva de impressões colhidas, pouco tempo atrás, em Atenas e anteriormente em outros lugares. As ânforas a bordo estavam relacionadas com Jacques-Yves Cousteau, que conheci em 1953, em Munique, quando ele ali apresentou o seu livro e o filme "O MUNDO SILENCIOSO". Conversamos a respeito do "aqualung", do pulmão aquático por ele inventado, que é para ser levado às costas e permite plena liberdade de movimentos e ação durante o mergulho; falamos sobre o delírio das profundezas, as possibilidades dos caçadores de tesouros e da arqueologia subaquática. Ao concluirmos a entrevista radiofônica, perguntei a Cousteau se jamais teria pensado em procurar vestígios da Atlântida. Ele respondeu, de maneira bastante diplomática, que já pensara nisto; porém, frisou que isto envolveria assunto delicado que, logo deixaria a gente bem no centro das disputas travadas entre cientistas e técnicos. Contudo, ao que parece, Cousteau não perdeu de vista o problema da Atlântida. Agora mesmo, enquanto escrevo este prefácio, recebo em minha mesa uma nota da Televisão Alemã, dizendo; "Jacques-Yves Cousteau, o pesquisador submarino, de 65 anos, deverá tratar do projeto ATLÂNTIDA. No Mar Egeu, principalmente na região de Santorim, sua equipe de 30 mergulhadores irá em busca dos restos da lendária Atlantida e estudará as teorias da Atlantida, levantadas por Jürgen Spanuth (Helgoland), admitindo como supostos "locais de achado" as Ilhas dos Açores, Bimini (Flórida), Lanzarote, (Ilhas Canárias), bem como as montanhas Atlas, no Marrocos."

Quanto às demais peças recuperadas e expostas no barco com o qual sonhei, tive ocasião de vê-las, pouco antes, no Museu Nacional, em Atenas. O jovem, de olhos embutidos, foi recuperado por mergulhadores, à cata de esponjas, dos destroços de um navio naufragado, encontrado a 60m de profundidade, diante da ilha grega de Anticitera. Lá também foi encontrada aquela engrenagem, a chamada "máquina de Anticitera", que, por ocasião de minha visita, ainda não estava exposta à visitação pública; mas, a meu pedido, foi trazida de um depósito para uma pequena sala, onde tive ensejo de vê-la. Até agora, não foi achada outra peça igual; trata-se de uma espécie de mecanismo de relógio; os pinhões são perfeitamente identificáveis; na roda-mestra contam-se 240 dentes, trabalhados com alta precisão. Seria talvez um instrumento para registrar o roteiro e a velocidade do navio. Uma inscrição situa a origem da máquina no século que precedeu o nascimento de Cristo. É esta mais uma prova do fato de como continua falho o nosso saber a respeito da Antigüidade. Até agora, pouco ou nada se sabia de uma civilização capaz de produzir mecanismos dessa espécie. Até onde tal técnica, realmente, recua no tempo? Onde teve a sua origem e foi desenvolvida, primitivamente?

No que se refere aos símbolos na pequena barra de ouro, avistados no meu sonho, fizeram-me lembrar o célebre disco de Festo, um disco de barro, de 16 cm de diâmetro, exibido no museu de Heracléia, na Ilha de Creta, em vitrina de vidro blindado. Os símbolos no disco não são gravados a buril, mas carimbados. A produção de tais carimbos, antecipando a invenção dos caracteres de impressão, de Gutenberg, revela o propósito de editar o texto, em série. Trata-se de uma escrita visual, ainda não decifrada. Até o momento não foi encontrada outra peça similar. Poderia ter sido um calendário, para as tripulações dos navios, em uso entre os povos marítimos; uma espécie de livro de ilustrações e leitura para marinheiros; é o que diz uma proposta razoavelmente plausível para a solução do enigma. Outros estudiosos viram naquela peça singular a articulação rítmica do texto de uma poesia, em duas estrofes, de dez versos cada, talvez de enredo mágico-religioso. Outrossim, poderia estar relacionada com a Atlântida, já que o símbolo carimbado que mais atrai a atenção representa a cabeça de um homem, coberta por um chapéu de penas, tratando-se da chamada "grinalda de raios". Jürgen Spanuth, o pastor combatente de Bordelum, na Frísia do Norte, localiza a Atlântida nas proximidades de Helgoland e postula a "grande migração" dos povos do Norte, por força de macaréus catastróficos, durante a qual teriam chegado às fronteiras do Egito. Spanuth faz referência aos afrescos de Medinet Habu, no templo do palácio de Ramsés III (1200-1168 a.C), defronte de Lúxor. Aqueles afrescos mostram o faraó em combate com os guerreiros de povos marítimos, que ostentam aquelas mesmas "grinaldas de raios", altamente decorativas. Também o remador, cuja imagem aparece em uma navalha, da Idade do Bronze, achada em Bremen, Alemanha Federal, ostenta em sua cabeça este mesmo ornamento, que aliás aparece igualmente em representações escandinavas. Spanuth considera este fato como indício importante. De maneira estranha, a peça achada em Bremen mostra todo um navio, guarnecido com esses "raios", dando a impressão de um fogo de Santelmo estilizado.

Foi em 1969 que J.V. Luce, catedrático em Dublin, levantou a hipótese de a Atlântida ter-se localizado no Mar Egeu. Seu livro "ATLÂNTIDA — LENDA E REALIDADE" foi prefaciado por Sir Mortimer Wheeler, um dos grandes nomes da Arqueologia, que escreveu: "Já em 1909, um jovem cientista de Belfast externou a idéia brilhante, dizendo que o país dos atlântidas, envolto e entremeado em lendas misteriosas, não passa de uma reminiscência do reino imponente, soberbo, de Minos, na Ilha de Creta, cujo esplendor chegou então a ser conhecido por nosso mundo hodierno, graças aos trabalhos desenvolvidos por Sir Arthur Evans e outros pioneiros". O jovem cientista, mencionado por Sir Mortimer, foi K. T. Frost; na época, suas hipóteses passaram quase despercebidas. Por outro lado, Sir Mortimer Wheeler reputa os professores atenienses Marinatos e Galanopoulos como figuras-chaves, destinadas a "conferir atualidade ao relato lendário e contribuir essencialmente para a reconstituição do seu aspecto global".

Entrementes, Spiridon Marinatos, inspetor-geral de antigüidades gregas, foi otimamente bem sucedido em seus trabalhos na Ilha de Terá — Santorim. Nas imediações de Akrotiri, no Sul da ilha, logrou escavar uma cidade minóica que, a exemplo de Pompéia, ficou soterrada debaixo de massas de lava e outros produtos de projeção vulcânica, responsáveis por sua perfeita conservação. Todavia, não foram encontradas ossadas, nem moedas, jóias ou quaisquer preciosidades transportáveis; presumivelmente, os habitantes receberam aviso prévio, por tremores de terra e já haviam abandonado a cidade quando ocorreu a catástrofe. O estuque caído das paredes e quebrado em mil pedaços, foi recomposto pelos arqueólogos e os mais lindos dos afrescos, assim reconstituídos, foram levados para o Museu Nacional, em Atenas. Destarte, ressurgiram uma sala decorada com lírios e casais de andorinhas; outras ostentam imagens de garotos em luta de box, antílopes africanos, macacos azuis. Naquele ambiente, o prof. Marinatos concedeu-me uma entrevista para a televisão. Ele conversou em alemão corrente e falou textualmente: "O senhor sabe que depois das Santas Escrituras, o maior número de livros foi publicado sobre a Atlântida. A Atlântida é o assunto que eletriza as grandes massas, o publico em geral, bem como as pessoas cultas. Destarte, eu gostaria de supor que a explosão e destruição da pequena Ilha de Santorim teria dado ensejo à criação da lenda, que fala no ocaso de uma ilha grande, rica e soberba. A Ilha de Creta foi aniquilada, junto com Santorim, e os egípcios tinham Creta em mente. Tudo o mais, uma ilha verdadeira, real, com todas as suas instituições políticas e instalações técnicas, surgiu na fantasia de Platão; ele tinha sempre uma idéia; aliás o próprio termo "idéia" é dele e o mundo das idéias é um conceito platônico. Foi Platão quem criou a idéia de um estado ideal e também a idéia de Atlântida". Mais tarde, depois de ter tirado o microfone de suas mãos, perguntei ao prof. Marinatos se não seria válida a busca de Atlântida em outros locais, nas regiões de Helgoland, ou no Arquipélago dos Açores. "Por que não?" respondeu, "As ilhas dos povos felizes serão procuradas ali e acolá e, quem sabe, serão encontrados os vestígios de civilizações desaparecidas. Perto dos Açores? Também aí poderia ser encontrada a Atlântida, uma parte do paraíso perdido. Talvez, um dia, eu mesmo escreva um livro sobre a Atlântida." O Prof. Marinatos não chegou a realizar seu sonho, pois em outubro de 1974 o cientista morreu, aos 73 anos de idade; sua morte foi acidental e ocorreu pouco antes do término da temporada de escavações, perto de Akrotiri, quando foi atingido pela queda do muro de um palácio minóico, cuja escavação se deu sob sua direção.

No dia seguinte ao da entrevista com o Prof. Marinatos, fui recebido pelo Prof. Angelos Galanopoulos, no Observatório Sismológico que dirige, e que se situa no topo de uma pequena colina, aos pés da Acrópole. Ele pediu desculpas por seu inglês, que não daria para uma entrevista diante das câmaras de TV, mas, gentilmente, colocou-se à nossa disposição. Durante a entrevista, o Prof. Galanopoulos mostrou-se bem mais decisivo quanto aos nexos, apenas esboçados por Marinatos, entre a erupção de Santorim e a narrativa de Platão e nos quais o nosso entrevistado viu o incentivo, a centelha de ignição, o próprio material para uma parábola. Para Galanopoulos, segundo hipótese levantada em 1960, a ilha vulcânica de Tera-Santorim é idêntica ao império insular de Atlântida; e, para ele, foi ali onde, por volta de 1500 a.C. a Atlântida desapareceu. Galanopoulos discutiu com bastante franqueza os "pontos fracos" de sua teoria, dos quais apenas dois serão mencionados a seguir. Ele acha que se poderia tratar de um mal-entendido, quando Platão fala em uma Atlântida situada fora das regiões do Mediterrâneo. Seria pensável que as "Colunas de Hércules" não fossem Gibraltar, mas a ponta meridional do Peloponeso, o Cabo de Matapan e o Cabo de Maléia. A passagem na narrativa platônica, dizendo que o desaparecimento da Atlântida teria ocorrido 9.000, ao invés de 900 anos antes de Sólon, poderia ter sido interpretada de maneira errada, inclusive, a seu tempo, pelo próprio Sólon. Possivelmente, ele leu os símbolos egípcios de maneira errada e interpretou erradamente aquilo que o sacerdote egípcio lhe falou. Até o dia de hoje persistem tais problemas aritméticos, pois na Europa mil milhões são um milhardo (1.000.000.000) quando, nos EUA, este valor representa um bilhão. Outrossim, Jürgen Spanuth considera como seguramente falha a afirmação do sacerdote egípcio, a respeito dos "cidadãos" que viveram nove milênios atrás, dizendo que "na literatura antiga, as datações fantasiosas são freqüentes". Todavia, esta atitude não deixa de revelar o fato de serem aceitos, ao pé da letra, somente aqueles trechos da narrativa platônica que se enquadram perfeitamente em determinada teoria; tudo aquilo que não se enquadrar em determinados conceitos vem sendo explicado como mal-entendido ou erro. Por causa disto, não pude deixar de sentir certas reservas a respeito do Prof. Galanopoulos, quando, após a entrevista, dele me despedi. Mais tarde soube que, entrementes, o próprio professor já se teria distanciado da teoria por ele levantada; na época, não revelou nada disto, pois do contrário dificilmente ter-me-ia presenteado com um livro seu, expondo suas teses, e que me entregou com uma dedicatória pessoal.

As idéias de Galanopoulos foram confirmadas e apoiadas por James W. Mavor, engenheiro e oceonógrafo de renome, que entrou no Mar Egeu com o "Alvin", navio norte-americano que conseguiu achar e recuperar uma bomba H, perdida ao largo da costa espanhola. Todavia, tampouco Mavor que, em 1969, descreveu suas duas expedições no livro "VIAGEM PARA A ATLÂNTIDA" e tão-sornente pôde basear-se nas hipóteses de Galanopoulos e nos últimos resultados obtidos com as escavações, dirigidas por Marinatos, logrou apresentar uma prova concreta.

Spanuth, por sua vez, criticou bastante as obras de Luce e Mavor, censurando-as por "grosseiros erros tipográficos", numerosas interpretações inadmissíveis, dados falhos e afirmações erradas, que invalidam totalmente a chamada "sensação do ano", alegando que a "Atlântida teria sido encontrada no Mar Egeu". E, novamente, Jürgen Spanuth afirma o seguinte, a respeito da localização de Atlântida: "segundo as indicações feitas por Platão, a ilha imperial situar-se-ia "na foz de grandes rios" (Weser, Elba, Eider) protegida por "um penhasco, muito alto e íngreme, despontando do mar, que era de pedras vermelhas, brancas e pretas (Helgoland), onde os atlântides teriam encontrado minério de bronze, bronze puro e (provavelmente) âmbar. A colina que, segundo Platão, está situada a exatamente 50 estádios (= 9,2 km) detrás do penhasco, não passaria da "colina submarina, denominada 'fundo de pedra', onde, 30 anos atrás, foram descobertos os restos de um santuário germânico. Aí situava-se, outrora, a cidade imperial de Basiléia". E Spanuth resume: "Portanto, a narrativa da Atlântida não é um relato da época áurea da civilização minóica, mas, sim, da época áurea da civilização nórdica, da Idade do Bronze, finda em cerca de 1250 a.C, com cataclismos, que provocaram as migrações de grandes partes dos povos germânicos, forçados a abandonar as terras da Alemanha do Norte, da Dinamarca e Escandinávia. O relato da Atlântida é uma Germânia da Idade do Bronze".

Aliás, se fossem interpretados ao pé da letra os dados platônicos, dando a localização da Atlântida, então ela deveria ser procurada em regiões fora do âmbito mediterrâneo, além de Gibraltar ("fora das Colunas de Hércules"), isto é, no Oceano Atlântico. Contudo, Spanuth observa que o Oceano Atlântico (conforme foi denominado por Athanasius Kircher, em inícios do século XVII, justamente pelo fato de lá ficar a suposta situação da Atlântida) não deve ser confundido com o okeanos, o Mar Atlântico dos autores da Antigüidade. Para eles, o okeanos não era o mar entre a Europa e a África, de um lado, e as duas Américas, do outro, mas sim o mar em cujo âmbito procuravam Atlas, o que sustentou o céu nos seus ombros; e, segundo os textos gregos, esse mar sempre ficou ao Norte (num país do âmbar).

Também Adolf Schulten, o célebre arqueólogo alemão, natural da cidade de Erlangen, que dedicou toda a sua vida à pesquisa da Espanha antiga, procurou a Atlântida além das Colunas de Hércules, mas a uma distância relativamente pequena de Gibraltar, perto de Sevilha, na foz do Rio Guadalquivir. Outrora, naquela área, em um ponto qualquer situava-se Tartesso que, anos a fio, fora o objeto de suas escavações, uma das mais ricas cidades da Antigüidade e que, segundo o arqueólogo Schulten, é idêntica à Atlântida de Platão. Atlas era o nome do mais antigo rei de Atlântida e, no vernáculo local, o irmão gêmeo de Atlas era chamado de Gadiro, o que estaria relacionado com Cádiz. Muitos detalhes mencionados por Platão a respeito da Atlântida e referentes ao seu porto, o canal levando para o mar aberto, encontrariam explicação com o local do delta formado pela foz do Rio Guadalquivir. Também a grande fortuna de Tartesso (= Atlântida), proveniente da prata nas montanhas da Andaluzia e do cobre nas minas do Rio Tinto, com liga de zinco, dando o bronze, enquadrar-se-ia nessas teses. Infelizmente, Schulten, que em inícios deste século escavou a Numân-cia ibérica e os sete acampamentos de Cipião (185-129 a.C.), não logrou encontrar Tartesso. Talvez, a Tartesso da Antigüidade seja a Sevilha de hoje e, um belo dia, as obras de terraplenagem para o estaqueamento de um novo arranha-céu acabarão por trazer à luz do dia a Atlântida pretendida por Schulten.

Evidentemente, na origem de todas as teses e hipóteses está a seguinte pergunta: seria a narrativa da Atlântida um relato histórico, com eventuais arabescos poéticos, a exemplo da Ilíada homérica, baseado na qual Heinrich Schliemann foi em busca de Tróia? Ou tratar-se-ia de uma livre invenção literária, um conto, uma estória, propositadamente divulgada por Platão e feita circular nos quatro cantos do mundo? Contudo, Platão ressalta expressamente a autenticidade de sua narrativa; no entanto, poderia ser justamente este o truque para aumentar o impacto daquilo que narrou. Outrossim, dá de pensar o fato de Aristóteles, o célebre discípulo de Platão, ter considerado a Atlântida como ficção poética, pois: "O homem que sonhou fez também desvanecer a imagem sonhada". Em época pouco posterior (cerca de 300 a.C.) Cantor de Sóloi comentou a narrativa platônica e afirmou que, palavra por palavra, representa a verdade histórica. Ao que parece, o comentarista verificou pessoalmente as fontes egípcias; segundo ele, os relatos ainda estariam lá, nos Pilares, para serem lidos por quem quisesse lê-los. Então, se esse fosse o caso, inscrições em monumentos deveriam ser tomadas ao pé da letra? Por quantas vezes, notícias transmitidas através de gerações, por tradição oral, mesmo que inadvertidamente, vieram a ser alteradas? E não são raras as vezes que mensagens, destinadas aos pósteros, transmitem os fatos adulterados, embelezados, manipulados pela propaganda. Foi justamente no Egito onde a "História" foi obliterada, modificada, inventada, omitindo-se derrotas, sublimando-se faraós fracos, inexpressivos, riscando-se imagens e nomes de antecessores para que, por todos os tempos, fossem esquecidos. Não obstante a maneira de como se queira avaliar a credibilidade dos textos, aos quais Platão se refere, todas as especulações sobre o enigma da Atlântida concentram-se, sobretudo, nesses dois pólos: seria a narrativa de Platão uma mera invenção, ou um relato de fatos?

Somente a quem tomar por um relato de fatos poderá esperar, real e efetivamente, encontrar a Atlântida. Sem dúvida, essas pretensões ambiciosas entraram nos sonhos dos navegadores espanhóis e portugueses. Neste sentido também deve ser compreendida a palavra lapidar de J. O. Thomson, dizendo que, de certo modo, Platão pode ser considerado como "o descobridor da América". Destarte, uma "História dos índios", datando de uns 60 anos após a descoberta da América por Cristóvão Colombo, expõe a idéia de os continentes transatlânticos representarem a Atlântida. Por que teria surgido, pouco depois, a proposta de chamar de Atlântida um desses continentes? Em data posterior, especulou-se a respeito da identidade das Ilhas Canárias ou dos Açores com a Atlântida e cogitou-se de que fosse esta a ponte sobre a qual se encontraram as civilizações de ambos os lados do Oceano Atlântico. Outrossim, teria sido a Atlântida a inaugurar essas civilizações. Athanasius Kircher (1601-1680), o sábio jesuíta que estudou os hieróglifos e a lanterna mágica, localizou a Atlântida na região da Ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores. Uns dois séculos mais tarde (em 1882), o norte-americano Ignatius Donnelly retomou o fio da meada naquele mesmo ponto, opinando que o chamado Dorsal do Golfinho, elevação submarina na região dos Açores, seria a Atlantida desaparecida. Em pouco menos de 100 anos, a obra de Donnelly, "ATLANTIS — THE ANTEDILUVIAL WORLD" — Atlântida, o mundo antediluviano — chegou a ter no mínimo 50 edições. O autor tinha o dom especial da publicidade; ele era membro do Congresso norte-americano; por duas vezes candidatou-se, embora inutilmente, para o cargo de vice-presidente dos EUA. A sua "descoberta", clamando que, na realidade, as obras de Shakespeare foram produzidas por Sir Francis Bacon, teve repercussão mundial. Tudo isto caracteriza suficientemente a personalidade arrojada, a alta inteligência e a força de imaginação de Donnelly. Contudo, apesar disto poderia estar certa a idéia básica por ele defendida e que posiciona a Atlântida no Dorsal do Golfinho; aliás, até os dias de hoje essa tese continua válida. Aquilo que com Donnelly tem um sabor de fábula, sem base substancial, adquire foros bem diferentes com a terminologia das Ciências Naturais hodiernas, contando com as opções oferecidas pela pesquisa oceânica moderna.

Em 1954, Otto H. Muck publicou o seu primeiro livro sobre a Atlantida; dois anos mais tarde, foi editada a sua segunda obra "ATLANTIS — DIE WELT VOR DER SINTFLUT" — Atlântida, o mundo de antes do dilúvio. Para Muck, o Dorsal do Golfinho desceu para uma profundidade de 3.000 m por força de uma catástrofe cósmica, que também fez desaparecer a Atlântida de Platão. Outrossim, as amostras do solo retiradas do leito oceânico na região dos Açores foram interpretadas pelo oceanólogo sueco Petterson no sentido de, inequivocamente, toda aquela área ter sido submarina desde há 20 milhões de anos no mínimo. ("A teoria dos Açores está morta, em definitivo."). Nem por isto Otto Muck capitulou. Ele trouxe ao foro dos debates, jamais interrompidos, toda uma série de novos pontos de vista, muitas vezes surpreendentes, aos quais não quero antecipar-me. Em todo caso, é um prazer acompanhar sua argumentação, justamente nos pontos a serem considerados com reserva e para os quais não foram, ou melhor, ainda não foram apresentadas provas concludentes. O autor foi um homem fascinante, e fascinante é também o seu livro. Otto Heinrich Muck nasceu em Viena, em 1892 e, após a Primeira Grande Guerra estudou na Universidade Politécnica, em Munique. Formou-se com Sommerfeld, que também foi mestre de Heisenberg*. Sommerfeld, segundo Heisenberg "foi o homem que, ao lado de Niels Bohr, mais influiu na minha vida profissional". Durante a Segunda Grande Guerra, Muck trabalhou em Peenemünde,com a equipe dos foguetes; foi um dos inventores do sistema "Schnorchel", para submarinos. No decorrer dos anos, Muck registrou umas 2.000 marcas, das quais cerca de 40 se destinaram à construção de navios para o transporte de gás metano, do armador grego Niarchos. Muck assessorou indústrias multinacionais, era um técnico de elevadíssimo nível e, ao mesmo tempo, dedicado às artes, revelando-se artista gráfico de grande talento. Faleceu aos 64 anos, em 7 de novembro de 1956. Este curriculum vitae de um homem fora do comum, sempre em movimento, assinala a presença de idéiasgeniais em sua obra sobre a Atlântida, na qual apresenta uma seqüência continua de fatos, suscetíveis de prova, aos quais a imaginação do inventor e realizador sóbrio atribui o possível e o provável, segundo a sua respectiva categoria. A obra, em primeira edição rapidamente esgotada e que, na época, não teve a merecida repercussão, foi agora reeditada, incluindo-se na presente edição, nova e funcional, o relato de novas experiências e os resultados das pesquisas mais recentes.

Nos dias atuais, a colaboração entre as diversas disciplinas das Ciências Naturais, freqüentemente permite resolver problemas arqueológicos de maneira mais fácil e concludente que em tempos passados, quando havia cooperação entre arqueólogos profissionais e amadores. Assim, o teste com o carbono 14 permite determinar a idade de material biológico, com relativo acerto; em 1960, o cientista norte-americano Libby ganhou o prêmio Nobel pela elaboração deste método. Dessa maneira, restos de carvão vegetal, provenientes da caverna de Lascaux, célebre por suas pinturas rupestres da Idade do Gelo, revelaram que 16.000 anos atrás, houve ali um grande incêndio. Sem dúvida, a datação pelo carbono 14 constituiu-se em "autoridade" moderna, embora provasse ser falha mais de uma vez. Por outro lado, os índices de ordem mineralógica e geológica acusam imprecisões bem maiores. Quantas vezes tornou-se necessário corrigir datações pré-históricas! Lembro-me de uma visita ao museu de Malta; quando eu queria tomar nota das datas exibidas nas vitrinas, o diretor do museu comentou, lamentando: "Tudo isto já está praticamente superado. A gente nem mais consegue ficar em dia". Por conseguinte, convém usar de uma certa dose de cepticismo com quem procurar encerrar uma discussão sobre uma datação arqueológica com o comentário lapidar, dizendo que "isto foi decidido faz tempo, de maneira definitiva, irrevogável". Aliás, foi o grande médico Rudolf Virchow quem, com todo o peso do seu saber e da sua experiência, negou terminantemente a autenticidade das pinturas rupestres de Altamira, datando da Idade do Gelo, que então acabavam de ser descobertas. Da mesma forma, era francamente negativa a atitude de Virchow, quando Fuhlrott, modesto mestre-de-escola, que descobriu e interpretou corretamente o crânio do Homem de Neandertal, dirigiu-se ao eminente catedrático, para solicitar-lhe o parecer a respeito. Em ambos os casos a autoridade estava errada e a negação oficial perfeitamente válida na época, hoje em dia apresenta-se como preconceito injusto, de visão curta. Destarte, os argumentos do passado são ultrapassados por descobertas e especulações sempre novas que, no decorrer do tempo, enriquecem nosso saber. Outrossim, mesmo hoje em dia, muita coisa ainda continua em aberto, no encontro diário de prova e contraprova, na luta dura pela autenticidade e validade de hipóteses. Assim sendo, talvez fosse possível que a narrativa registrada, transmitida pelos egípcios e divulgada por Platão, abarcasse algo mais do que a reminiscência de um só evento, de uma determinada catástrofe? Sempre nos é dado observar a metamorfose de uma tradição, com personagens e eventos mudando de lugar. Seria perfeitamente admissível que a narrativa da Atlântida não se prendesse única e exclusivamente a tradições até agora conhecidas. Marinatos acreditou em uma "lenda tradicional do Egeu"; Spanuth visualiza no relato da Atlântida uma Germânia da Idade de Bronze. Bem poderia ser que ambos estivessem com a razão e, ao mesmo tempo, fossem errados, no caso de, um belo dia, a Atlântida ser encontrada tanto aí, como ali. Possivelmente, a lembrança daquele "fim de mundo" deva ser apreciada sob o pano de fundo de uma tradição bem mais antiga, cerca de dez vezes mais antiga, de um evento de verdadeiras dimensões cósmicas, de influência decisiva na evolução cultural da humanidade.

Se considerarmos como válidas as datações apresentadas por Platão, segundo os arquivos mostrados a Sólon, pelos sacerdotes egípcios, aquele cataclismo universal, do qual o homem conservou apenas vaga memória, na realidade teria acontecido nove milênios e não nove séculos antes da época de Sólon; nesse caso a Atlântida, de fato, teria desaparecido naquela época, tragada pelas ondas do Oceano Atlântico. Sob este aspecto, o "continente" da Atlântida, localizado na obra de Muck na região dos Açores, adquiriria novos ângulos. Decerto, não se trata de mero acaso quando essa nova imagem de Atlântida surgiu na mesma época — uns 40 anos atrás — em que o homem logrou desintegrar o átomo e, assim descobriu novo fogo perigoso e — uma década atrás — pisou o solo da Lua. Ao apreciarmos a História da humanidade sob este ponto de vista, compreenderemos melhor aquilo que Antoine de Saint-Exupéry escreveu em 1934: "É difícil entender e nem se sabe bem como e por quê o homem, sempre peregrino, ocupa com tamanha despreocupação os jardins que lhe foram preparados pela Natureza, pois são habitaveis apenas por pouco tempo, por um período geológico, por um dia feliz". A civilização humana, escreveu Exupéry "não passa de um folheado de ouro, bem fino, prestes a estourar com uma erupção vulcânica, a ser lavado pelas águas de um mar em formação, a ficar soterrado debaixo de uma tempestade de areia".

Ernst von Khuon

 

INTRODUÇÃO

 

Nem sempre é fácil distinguir entre poesia e realidade, em se tratando do complexo de problemas a respeito de quando e onde começou a História da Humanidade, das influências que sofreu, daquilo que restou ou ainda lembra seus inícios e tempos primordiais.

Provavelmente, jamais homem algum poderá dizer o que é a vida, de onde provém. A evolução do Homo sapiens, a partir do mundo animal, ficou comprovada e isto prova também o condicionamento do ser humano à Terra, de cujo destino, em última análise, compartilha.

Alguns trechos dos caminhos enveredados pela humanidade podem ser elucidados pelo próprio homem, pela Terra, pela Geologia, mormente em épocas de transição e cataclismos. Aliás, são quase que exclusivamente essas épocas a deixarem para a posteridade os vestígios daquilo outrora existente. Freqüentemente, tais indícios provocaram uma reformulação do calendário da humanidade e conferiram sentido novo a tradições e mitos antigos.

Em meados dos anos 50, ficou comprovado, por todas as disciplinas científicas, da Etnologia à Arqueologia, que, há 10.500 anos atrás, houve um súbito deslocamento dos pólos magnéticos da Terra. Também o Pólo Norte, geográfico, até cerca de 8.500 a.C. nas regiões meridionais da Groenlândia, de repente, avançou em 3.500 km e veio a situar-se no seu local atual. A figura da pág. 18 ilustra, esquematicamente, este afastamento abrupto que, na época, valeu por um cataclismo universal.

Com o simultâneo deslocamento do eixo terrestre, criou-se uma nova situação geológica que, atualmente, marca o início do período contemporâneo. Não cabe aqui explicar se este fenômeno, chamado de afastamento dos pólos, representa uma migração dos pólos, ou se a delgadíssima crosta terrestre ficou deslocada, com um súbito empurrão. Em base de testes com o carbono 14, esta data vem sendo confirmada, em inúmeras pesquisas de datação. Desde inícios dos anos 60, nos EUA, na Irlanda, Inglaterra e Alemanha do Norte, o método do contador Geiger forneceu datações sensacionais, realçando o período por volta de 8.500 a.C. como a data magna na Geologia mais recente.

O relatório de Richard MacNeish, presidente da Sociedade Americana de Arqueologia, publicada em 1971 na revista "Scientific American", destaca-se como a mais importante das publicações sobre o assunto. Segundo esse relatório, a existência de vida humana em Ayacucho, no Peru, pode ser provada desde 25.000 anos atrás. Ademais, as pesquisas revelaram que, desde 60.000 anos, naquelas regiões peruanas, os ciclos de elevação e declínio da temperatura ocorreram de forma nitidamente contrária à de como ocorreram na América do Norte. Enquanto na América do Norte fez frio, o planalto peruano — hodierno — viveu períodos de calor; porém, naquelas zonas norte-americanas onde o solo era de tundra, foram registrados períodos de calor. Essas condições prevaleceram somente até cerca de 8.500 a.C.

Desde então, os avanços das glaciações no continente sul-americano e a formação das geleiras, nos Andes, iniciada naquele tempo, não correspondem mais aos fenômenos similares registrados durante, digamos, o período de Wisconsin, na América do Norte, que também terminou em 8500 a.C. aproximadamente.

 

 

 

Ao que parece, a América do Sul viveu o seu próprio destino geológico;