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Joseph Campbell O Herói de mil faces.

Joseph Campbell O Herói de mil faces.

 

 

Joseph Campbell

 

O herói de mil faces

Tradução Adail Ubirajara Sobral

 

CULTRIX/ PENSAMENTO

SAO PAULO

Título do original: "The hero with a thousand faces"

Copyright © 1949 Princeton University Press

 

Edição

Ano

3-4-5-6-7-8-9-10

-9 3-94-95-96-97

Direitos reservados

EDITORA PENSAMENTO LTDA.

Rua Dr. Mário Vicente, 374 - 04270 - São Paulo, SP - Fone: 272-1399

Impresso em nossas oficinas gráficas.

 

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Sumário

Prólogo: O monomito

 

Mito e sonho

Tragédia e comédia

O herói e o deus

O Centro do Mundo

Parte I: A aventura do herói

 

Capítulo i: A partida

O chamado da aventura

A recusa do chamado

O auxílio sobrenatural

A passagem pelo primeiro limiar

O ventre da baleia

Capítulo ii: A iniciação

O caminho de provas

O encontro com a deusa

A mulher como tentação

A sintonia com o pai

A

apoteose

A bênção última

Capítulo iii: O retorno

A recusa do retorno

A fuga mágica

O resgate com auxílio externo

A passagem pelo limiar do retorno

Senhor dos dois mundos

Liberdade para viver

Capítulo iv: As chaves

Parte II: O ciclo cosmogônico

Capítulo i: Emanações

 

Da psicologia à metafísica

O giro universal

A partir do vazio-espaço

Dentro do espaço-vida

A transformação do Uno em múltiplo

Histórias folclóricas sobre a criação

Capítulo ii: A virgem-mãe

Mãe-Universo

Matriz do destino

Ventre da Redenção

Histórias folclóricas sobre a virgem-mãe

Capítulo iii: Transformações do herói

O herói primordial e o herói humano

A infância do herói humano

O herói como guerreiro

O herói como amante

O herói como imperador e tirano

O herói como redentor do mundo

O herói como santo

A partida do herói

Capítulo iv: Dissoluções

Fim do microcosmo

Fim do macrocosmo

Epílogo: Mito e sociedade

As mil formas

A função do mito, do culto e da meditação

O herói hoje

Ilustrações contidas no texto

Relação de gravuras

Prefácio

"As verdades contidas nas doutrinas religiosas são, afinal de contas, tão deformadas e sistematicamente disfarçadas", escreve Sigmund Freud, "que a massa da humanidade não pode identificá-las como verdade. O caso é semelhante ao que acontece quando contamos a uma criança que os recém-nascidos são trazidos pela cegonha. Neste caso, também estamos dizendo a verdade através de um expressão simbólica, pois sabemos o que essa grande ave significa. Mas a criança não sabe. Escuta apenas a parte deformada do que dizemos e sente que foi enganada; e sabemos com que freqüência sua desconfiança em relação aos adultos e sua rebeldia têm realmente começo nessa impressão. Convencemo-nos de que é melhor evitar esses disfarces simbólicos da verdade naquilo que contamos às crianças, e não privá-las de um conhecimento do verdadeiro estado de coisas adequado a seu nível intelectual."(

Sigmund Freud, The future of an illusion (tradução de James Strachey e outros), Standard Edition, XXI, The Hogarth Press, Londres, 1961, pp. 44-45. (Original: 1927.))

O propósito deste livro é desvelar algumas verdades que nos são apresentadas sob o disfarce das figuras religiosas e mitológicas, mediante a reunião de uma multiplicidade de exemplos não muito difíceis, permitindo que o sentido antigo se torne patente por si mesmo. Os velhos mestres sabiam do que falavam. Uma vez que tenhamos reaprendido sua linguagem simbólica, basta apenas o talento de um organizador de antologias para permitir que o seu ensinamento seja ouvido. Mas é preciso, antes de tudo, aprender a gramática dos símbolos e, como chave para esse mistério, não conheço um instrumento moderno que supere a psicanálise. Sem permitir-lhe ocupar a posição de última palavra a respeito do assunto, podemos, não obstante, facultar-lhe a posição de abordagem possível, O segundo passo será, portanto, reunir uma ampla gama de mitos e contos folclóricos de todos os cantos do mundo, deixando que os símbolos falem por si mesmos. Os paralelos serão percebidos de imediato e desenvolverão uma ampla e impressionantemente constante afirmação das verdades básicas que têm servido de parâmetros para o homem, ao longo dos milênios de sua vida no planeta.

Talvez se faça a objeção de que, ao revelar as correspondências, deixei de considerar as diferenças existentes entre as várias tradições orientais e ocidentais, modernas, antigas e primitivas. A mesma objeção poderia ser aplicada, contudo, a todo texto didático ou quadro de anatomia, nos quais as variações fisiológicas decorrentes da raça não são levadas em conta no interesse da compreensão geral básica do físico humano. Há, sem dúvida, diferenças entre as inúmeras religiões e mitologias da humanidade, mas este livro trata das semelhanças; uma vez compreendidas as semelhanças, descobriremos que as diferenças são muito menos amplas do que se supõe popularmente (bem como politicamente). A esperança que acalento é a de que um esclarecimento realizado em termos de comparação possa contribuir para a causa, talvez não tão perdida, das forças que atuam, no mundo de hoje, em favor da unificação, não em nome de algum império político ou eclesiástico, mas com o objetivo de promover a mútua compreensão entre os seres humanos. Como nos dizem os Vedas: "A verdade é uma só, mas os sábios falam dela sob muitos nomes".

Pela ajuda que me foi prestada na tarefa de dar ao material pesquisado uma forma legível, gostaria de agradecer ao sr. Henry Morton Robinson, cujo conselho me foi de grande valia nas fases inicial e final da preparação deste livro; às senhoras Peter Geiger, Margaret Wing e Helen McMaster, que trabalharam com os manuscritos inúmeras vezes e ofereceram valiosas sugestões; e a minha esposa, que trabalhou comigo do princípio ao fim, ouvindo, lendo e revisando.

J.C.

Nova York

10 de junho de 1948

 

Prólogo

O monomito

1. Mito e sonho

Quer escutemos, com desinteressado deleite, a arenga (semelhante a um sonho) de algum feiticeiro de olhos avermelhados do Congo, ou leiamos, com enlevo cultivado, sutis traduções dos sonetos do místico Lao-tse; quer decifremos o difícil sentido de um argumento de Santo Tomás de Aquino, quer ainda percebamos, num relance, o brilhante sentido de um bizarro conto de fadas esquimó, é sempre com a mesma história — que muda de forma e não obstante é prodigiosamente constante — que nos deparamos, aliada a uma desafiadora e persistente sugestão de que resta muito mais por ser experimentado do que será possível saber ou contar.

Em todo o mundo habitado, em todas as épocas e sob todas as circunstâncias, os mitos humanos têm florescido; da mesma forma, esses mitos têm sido a viva inspiração de todos os demais produtos possíveis das atividades do corpo e da mente humanos. Não seria demais considerar o mito a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmos penetram nas manifestações culturais humanas. As religiões, filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito.

O prodígio reside no fato de a eficácia característica, no sentido de tocar e inspirar profundos centros criativos, estar manifesta no mais despretensioso conto de fadas narrado para fazer a criança dormir — da mesma forma como o sabor do oceano se manifesta numa gota ou todo o mistério da vida num ovo de pulga. Pois os símbolos da mitologia não são fabricados; não podem ser ordenados, inventados ou permanentemente suprimidos. Esses símbolos são produções espontâneas da psique e cada um deles traz em si, intacto, o poder criador de sua fonte.

Qual o segredo dessa visão intemporal? De que camada profunda vem ela? Por que é a mitologia, em todos os lugares, a mesma, sob a variedade dos costumes? E o que ensina essa visão?

Atualmente, muitas ciências contribuem para a análise desse enigma. Os arqueólogos pesquisam as ruínas do Iraque, de Honan, de Creta e de Yucatán. Os etnólogos questionam os Ostiaks do rio Ob, os Boobies de Fernando Pó. Uma geraç